Vazio

Leonardo Castelo Branco
2 min readApr 27, 2023

Poucas coisas me alegram mais que a solidão. Sou um homem resguardado em um apartamento espartano, um velho cansado e com zero paciência para os protocolos da sociedade pós-moderna. Há dez dias sem colocar os pés na rua, passo o tempo entre livros, doses de Buffalo Trace e a inútil ação de preencher folhas em branco como essa. A vida aqui, sete andares acima do chão, é suportável. Inútil, mas suportável.

Afinal, o que mudou nesse tempo lá embaixo? Seres humanos continuam nascendo, crescendo, casando, formando uma nova geração de idiotas alienados para repetir os próprios erros, contraindo dívidas e doenças venéreas, traindo, mentindo, fingindo, mergulhando em crises de ansiedade e meia idade, envelhecendo repletos de mágoa e arrependimentos, e morrendo. É mais ou menos assim que a banda toca. Qual é o sentido dessa porra toda? Nenhum. Zero. Zilch.

Não tenho outro sentimento que não seja indiferença à mediocridade que tomou conta do pensamento do homem moderno com seus filósofos de auditório e coaches de relacionamento. Quem, em sã consciência, tem vontade de sair de casa num mundo desses?

É triste enfrentar a realidade. Ah, vida banal, ir ao supermercado ou à farmácia. Ficar parado na maldita fila. A obrigação social de entreouvir em sussurros pedaços dos dilemas e glórias pequeno burguesas. Sempre a mesma coisa com personagens distintos. Todos sorriem, dão boa tarde e conversam sobre o tempo, o trânsito, o jogo da seleção. Mas a verdade é que ninguém se importa se você precisa de ajuda. Já é tarde, fracassamos como espécie.

As ruas estão tomadas de cretinos com seu ar de superioridade, os olhos colados em seus dispositivos móveis e a cabeça bem longe dos empregos que tanto odeiam. Lá vão eles, respirando o ar cinza intoxicado, sempre dispostos a fortalecer o nosso querido sistema capitalista. Logo logo farei companhia a eles em sua mediocridade, assim que terminar esta singela mensagem que em breve será apenas mais um amontoado de palavras perdidas na nuvem do ciberespaço.

Antes de ir paro em frente a esta tela vazia. Sou novamente atacado pela ideia de que não há nada além. Vazio. E não há metaverso ou inteligência artificial que o preencha. Não há final feliz ou final triste, não há moral ou lição a ser aprendida. Só há a inevitável e suprema verdade de nossa existência: nossas vidas são breves e sem sentido. Nossas ações e conquistas são efêmeras. Só nos resta vagar por este mundo até a morte nos carregar para todo o nada que nos aguarda. Compreender isso me preenche de forças para enfrentar a vida lá embaixo. Me voy.

--

--