Photo: Torie Roman

Conselhos, considerações e clichês para depois de acordar

Leonardo Castelo Branco

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(ou: Resoluções para o novo ano de 2023)

1.

Procure trilhas que somente passos para fora
de si levam. Leve só o que der para colher na
velocidade da contemplação. Abra a janela em
algum lugar entre os extremos e deixe o vento
bagunçar seus cabelos. Aprenda uma coisa:
a vida sempre dá um jeito no jeito que você deu.
Outra coisa, como alguém escreveu (talvez para você)
deixe que coisas o atravessem. E lembre-se dos
seres que o alegram só pelo fato de existirem.
Olha, o céu nublado deixou escapar uma estrela.

A estrela solitária.

2.
Pare a parte que finge ser o todo. Pare
de viver de acasos abreviadores de sofrimento:
sofrer é preciso, sofrendo, você aprendeu tal lição.
Não espere um dia que justifique todos os outros.
Ele não chegará. Nada como um dia após o outro?
E quando o dia após o outro é igual ao outro?
Sol, chuva, nuvens no céu, respirar, ar, andar
sorrir por fora, administrar uma guerra por dentro,
tudo igual, na mesma, os dias mais desafiadores são
os estereotipados. Aqui vão mais um ou dois conselhos:
Se faltar ar, escreva; se faltar algo, escreva poemas.
Saia só e saia por sair; só vá. Quem anda pensa, quem
pensa, cria. E, detalhe importante, ame com loucura.
Beije demorado, viaje lugares-pessoas e cachorros de rua.

Por fim, morra, mas que não seja de não viver.

3.
Seja muitos e seja ninguém; seja por inteiro.
Governe seus preceitos e regras deixe-se
governar pela musa em horário comercial.
Lave-se no suor dos dias mais dia a dia. Sonhe.
Grite: eu não existo, abaixo a realidade!, lute
proteste contra a seção de auto-ajuda, não pense
como teria sido se não tivesse pego aquele atalho,
siga em frente, talvez o clichê mais verdadeiro, faça
das palavras elegância, dos momentos histórias, junte
as histórias num imperfeito mosaico de versos tortos.
Contemple as canções que tocam na rádio mental,
proteja com pena, unhas e dentes as palavras em extinção.
Caminhe para considerar possibilidades. E permita-se o
ato ridículo de escrever resoluções de final de ano.

Descanse,
você merece.

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