Além das palavras

Leonardo Castelo Branco
2 min readJul 26, 2023
Imagem gerada por IA

Caro Amigo-Irmão,

Você partiu deste mundo. Por mais que o tempo consolide a permanência desse fato, teimo em sentir o contrário. Ainda sobram faíscas nas cartas e poemas que dediquei à sua vida, e até mesmo nos textos formulados depois que você não acordou mais neste plano. A magia da escrita há de nos manter infinitamente conectados. Você é a única pessoa com quem ouso falar de eternidade.

Tenho pensando em nossas conversas, especialmente os desabafos, aquelas madrugada adentro, com nossos cigarros dançando no ar. Lembra quando, para consolar meu coração recém-partido, você recitou a frase de um filme? O nome da obra, porém, não se recordava. A máxima era esta: “Escrever é sua vantagem sobre qualquer idiota com o coração partido”.

Após tanto tempo, ainda ouço a sua voz repetir estas palavras nas noites de desilusão profunda, e é sempre um empurrão para fazer planos e respirar novas ideias, nas quais mergulho com intensidade. Você, nesta ou em outra dimensão, será sempre capaz de contornar minha melancolia com inspiração.

Dia desses, aconteceu algo que confirma o que eu afirmei na frase anterior. Era um sábado como outro qualquer, estava entediado, vasculhando algo para assistir na televisão, quando me deparei com o filme ‘Ruby Sparks — A Namorada Perfeita’. E lá, quase no final dessa comédia romântica ao estilo Woody Allen, ouvi aquela mesma frase que você me disse. Automaticamente, outro filme, com nossas melhores conversas, foi editado pela memória.

Retornei à realidade justamente quando os créditos começavam a rolar, e me vi refletindo sobre a história de Ruby Sparks. Nesse filme, o personagem principal, um escritor sofrendo por um bloqueio criativo, escreve sobre a mulher de seus sonhos, Ruby Sparks, que magicamente se materializa em sua casa.

Me corrija se eu estiver errado, mas não é justamente isso que fazemos aqui, texto a texto, verso a verso? Nós inventamos uma forma de comunicação que transcende as dimensões, e estas linhas sempre serão nosso ponto de encontro. A diferença é que você é real.

Após a sessão, deitei acompanhado pela estranha ideia de que, naquela madrugada regada a cigarros e desilusões, uma força superior fez você esquecer o nome do filme. Isso me levou a acreditar que, anos depois, em um tedioso sábado à noite, eu estava destinado a descobrir que, nesta vida, nada acontece por acaso. E então, envolvido pela língua silenciosa que une dois mundos, adormeci.

E sonhei com esta carta.

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